Como Age a Cannabis
Já existe muito interesse no tratamento da insônia por meio da cannabis, uma vez que pesquisas iniciais demonstraram que a planta certamente tem um impacto significativo sobre o sono. Isso parece ser o resultado, em grande parte, da maneira como a maconha afeta o sistema endocanabinoide do corpo humano.
O sistema endocanabinoide é um dos principais sistemas de nosso organismo e desempenha o importante papel de manter nossa homeostase (ou equilíbrio interno). Ele também estimula algumas das funções mais importantes do nosso corpo, como:
- Resposta ao estresse
- Inflamação
- Energia
- Humor
- Criação de memória
- Controle muscular
- Fome
- Dor
- Sono
O sistema endocanabinoide é formado por três elementos centrais: endocanabinoides, enzimas e receptores de endocanabinoides. Substâncias químicas produzidas pelo corpo humano, curiosamente os endocanabinoides têm muitas semelhanças estruturais com os canabinoides da cannabis. Quando atuam de forma adequada, esses endocanabinoides se ligam aos receptores de endocanabinoides (chamados de receptores CB1 e CB2), os quais são encontrados na superfície das células em todo o corpo. Depois, as enzimas se encarregam de quebrar os endocanabinoides e os eliminar do nosso organismo.
Interessante notar que o sistema endocanabinoide também pode ser estimulado por fitocanabinoides (alguns dos ingredientes ativos da cannabis, geralmente chamados apenas de canabinoides). Essas moléculas também podem ativar os receptores CB1 e CB2 para estimular funções corporais cruciais e restaurar o equilíbrio. É por isso que a cannabis pode oferecer tantos benefícios à saúde.
Quando se trata de dormir, a ativação desses receptores pode ser particularmente útil, pois a sinalização do sistema endocanabinoide parece regular alguns aspectos do sono. Por exemplo, os pesquisadores notaram que a ativação dos receptores CB1 tende a induzir o sono.
Estudos em camundongos também descobriram que a ativação do CB1 estava associada a alterações na estabilidade e duração dos estágios do sono sem movimento rápido dos olhos (NREM), os quais são cruciais para uma boa noite de descanso.
Além disso, os pesquisadores fizeram testes para verificar se a sinalização do CB1 era necessária para a homeostase do sono – a maneira pela qual os seres humanos respondem à perda de sono: dormindo mais profundamente e por períodos mais longos, recuperando, dessa forma, o atraso. Nestes estudos, os ratos foram privados de sono e tiveram sua sinalização do CB1 bloqueada. Ainda assim, esse bloqueio não pareceu reduzir a quantidade de recuperação do sono NREM após a privação. Quando lhes era permitido, esses ratos dormiam mais ainda por conta do sono perdido. Os autores afirmam que este trabalho serve de apoio à ideia de que a sinalização do endocanabinoide via CB1 é necessária para estágios longos e estáveis do sono NREM, mas pode não ser necessária para a homeostase do sono em geral.
Portanto, fica claro que a sinalização do endocanabinoide – principalmente via CB1 – desempenha um papel importante na regulação do sono. Ainda assim, não ficou claro nesta pesquisa de que forma exatamente a cannabis pode afetar o sono dos seres humanos quando usada no tratamento da insônia. Para isso, precisaremos analisar a pesquisa clínica.
Insônia e Cannabis
Quando se trata de cannabis e insônia, há um longo histórico de usuários que usufruem dos benefícios da planta para dormir melhor – já na Antiguidade as pessoas notaram os efeitos sedativos resultantes de alguns tipos de cannabis.
Pesquisas recentes com usuários de maconha também relatam tendências semelhantes. Uma delas, de 2018, com 1.000 usuários que fazem uso recreativo da planta, descobriu que 74% recorreram à cannabis para ajudá-los a dormir; 84% relataram sucesso. É importante ressaltar que mais de 83% dos pesquisados afirmou que reduziu ou deixou de utilizar outros recursos para dormir após ter experimentado a cannabis.
Ainda assim, a pesquisa sobre a cannabis e o sono está em estágio inicial, e os especialistas ainda não sabem se esta é uma solução útil ou se pode trazer efeitos negativos a longo prazo. A escassez de pesquisas sobre este importante tópico deve-se em grande parte ao status regulatório e legal da cannabis até recentemente.
Algumas pesquisas apontaram para a capacidade da cannabis de diminuir o tempo necessário para adormecer. Por exemplo, um estudo sobre insones fisicamente saudáveis testou os efeitos do THC nos padrões de sono durante um período de seis semanas. Eles descobriram que o THC reduziu significativamente o tempo que pessoas insones saudáveis levam para adormecer e também a quantidade de vezes que os participantes acordaram na primeira metade da noite.
Neste estudo, os indivíduos experimentaram um efeito adverso – uma ressaca ou a continuação da sensação de “high” no dia seguinte. Como isso se tornou mais forte com o aumento da dose, os pesquisadores passaram a recomendar doses inferiores a 30 mg de THC.
Outras pesquisas sugerem que doses menores também podem ser mais adequadas por outras razões. Um estudo apontou que a quantidade interfere em seu efeito em relação ao período necessário para o usuário adormecer – enquanto doses mais baixas diminuem esse tempo, as mais altas o prologam.
Além da dose, a cepa e a composição química também podem afetar o impacto da cannabis no sono. Em um estudo, os pesquisadores examinaram as preferências por variedades da planta entre usuários com distúrbios do sono, e descobriu que havia algumas tendências notáveis. Aqueles que a usavam para aliviar pesadelos, por exemplo, preferiam a Sativa à Indica, enquanto aqueles que atualmente sofrem de insônia e também levam mais tempo para adormecer tendem a optar pelas cepas mais ricas em CBD. Claro, devemos analisar pesquisas sobre distinções entre Sativa e Indica com cautela, uma vez que, como frequentemente observado, estas distinções realmente não significam muito em termos de diferenças genéticas ou quimiotípicas – isso indica que diferentes perfis químicos podem funcionar melhor para um ou outro aspecto da regulação do sono.
Ambos os fatores, juntamente com as diferenças genéticas entre os usuários da cannabis de uso medicinal, podem ajudar a explicar por que alguns estudos relatam benefícios para o sono, enquanto outros dizem que ela pode causar problemas.
Por exemplo, alguns pesquisadores argumentam que, embora o THC possa ajudar algumas pessoas a dormir mais rápido, isso pode ter um impacto negativo no sono em geral. Uma pesquisa que reforça essa ideia reportou que os usuários de cannabis tendem a ter mais distúrbios do sono do que aqueles que não a usam.
Estudos também indicaram que o CBD pode ser um auxiliador do sono. Uma revisão da literatura de 2017 descobriu que o CBD pode ser útil para o tratamento de distúrbios do comportamento do sono REM (durante o qual as pessoas vivenciam seus sonhos fisicamente) e da sonolência excessiva durante o dia.
Embora mais pesquisas sejam necessárias para entender as diferentes maneiras pelas quais a cannabis pode afetar o sono, a maioria dos artigos da literatura médica afirma que há evidências de que a planta pode ser de ajuda nessa área – principalmente para aqueles com outros problemas de saúde além deste. Por exemplo, uma meta-análise sobre a cannabis de 2017, da Academia Nacional de Ciências, relatou ter encontrado evidências moderadas de que os canabinoides podem melhorar os resultados do sono a curto prazo em pacientes com distúrbios do sono associados à apneia obstrutiva, fibromialgia, dor crônica ou esclerose múltipla. Portanto, a inclusão da cannabis na dieta pode ser benéfica de várias maneiras, inclusive ajudando a melhorar o sono, o que indiretamente pode melhorar os resultados para o problema subjacente, além de aliviar os sintomas de dor crônica e de outros distúrbios.
Um artigo de 2017 da Universidade da Pensilvânia concorda que a cannabis pode melhorar o sono de pessoas com apnéia obstrutiva do sono e dor crônica, e também observa que a planta pode reduzir os pesadelos associados ao TEPT.
Ainda assim, ambos os artigos alertam que ainda se faz necessária muita pesquisa. Embora haja boas evidências apontando para os benefícios da cannabis em relação ao sono, precisamos de mais testes clínicos em pacientes com insônia para desenvolver tratamentos confiáveis.
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