Visão Geral
A fibromialgia é pouco compreendida e, portanto, tem sido desafiante desenvolver alguma terapia. Os tratamentos geralmente não são eficazes, fazendo com que os pacientes passem de uma terapia a outra, acumulando decepções e efeitos colaterais. Infelizmente, em geral as pessoas que têm fibromialgia apresentam reações adversas à medicação, a qual é tão limitada quanto as opções de tratamento.
Existe um interesse crescente pela cannabis de uso medicinal no tratamento da fibromialgia. Na China antiga, a planta já era usada para tratar cãibras e dores há 5.000 anos. Isto não se deve apenas aos seus efeitos sobre a dor (propriedades analgésicas), mas também ao seu potencial com relação a outros sintomas associados, como insônia, ansiedade e depressão.
O Sistema Endocanabinoide
A cannabis contém mais de 500 compostos ativos, incluindo pelo menos 140 canabinoides – e esse número vem aumentando gradualmente nos últimos anos devido a novas pesquisas – que podem ter efeito sobre o corpo, interagindo e ativando o sistema endocanabinoide (SE). O SE está dividido em três partes principais: receptores distribuídos por todo o corpo, moléculas canabinoides que combinam com os receptores e os ativam, e enzimas metabólicas. Existem concentrações particularmente altas de receptores canabinoides nos sistemas nervoso e imunológico, nos ossos e articulações, áreas onde o SE exerce suas principais funções. O papel central das enzimas é o de sintetizar as moléculas que ativam o SE ou quebrá-las, impedindo-as de ativar os receptores.
As moléculas de canabinoides que ativam o SE podem ser encontradas em três lugares diferentes: no interior do corpo, na planta de cannabis e no preparado farmacêutico.
Quando os canabinoides ocorrem naturalmente no corpo, eles são chamados de endocanabinoides (endo significa interior, em grego) e desempenham um papel importante na homeostase ou equilíbrio do corpo. Os endocanabinoides são produzidos pelo organismo em reação a diferentes tipos de estresse, incluindo físico e psicológico. As funções exatas do SE ainda estão sendo estudadas.
Os outros canabinoides de ocorrência natural são aqueles presentes na planta Cannabis Sativa, conhecidos como fitocanabinoides. Suas moléculas mais estudadas são o tetra-hidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD). Esses fitocanabinoides têm semelhanças com os endocanabinoides em sua capacidade de ativar o SE.
Finalmente, os canabinoides também foram sintetizados sob a forma de preparados farmacêuticos. A maioria deles é feito com moléculas sintetizadas análogas ou quase idênticas ao THC como, por exemplo, o Nabilone, aprovado pelo FDA para uso nos Estados Unidos.
Até agora, dois receptores de canabinoides foram identificados, sendo provável que outros o sejam em futuras pesquisas. O receptor de canabinoide 1 (CB1) e o receptor de canabinoide 2 (CB2) podem ser ativados ao combinarem-se com moléculas de canabinoides – sejam endocanabinoides, fitocanabinoides ou canabinoides sintéticos. A combinação das moléculas e do receptor de canabinoide ativa vias de sinalização específicas dentro das células. Um dos resultados principais dessas vias de sinalização nas células é a diminuição da liberação de neurotransmissores. Como sinais primários do sistema nervoso, os neurotransmissores estão envolvidos em muitos processos, incluindo a percepção da dor e outras funções cerebrais, como sono e ansiedade. Os receptores CB1 estão localizados principalmente no sistema nervoso, tanto no cérebro como nos nervos periféricos que se estendem a partir da medula espinhal. Os receptores CB2, por outro lado, foram encontrados principalmente nas células do sistema imunológico e em diferentes tipos de células musculoesqueléticas. São esses efeitos sobre a dor, o sono e a ansiedade que podem ser úteis no controle dos sintomas da fibromialgia.
Fibromialgia e Cannabis
A pesquisa sobre cannabis de uso medicinal é relativamente nova, principalmente devido ao seu status legal – é muito difícil, senão impossível, realizar estudos médicos sobre substâncias ilícitas. Desde que ocorreram mudanças nos regulamentos em diferentes países, há um interesse crescente e um número cada vez maior de estudos sendo realizados. No entanto, como essa área de pesquisa ainda é relativamente recente, ainda não existem muitos dados sobre os efeitos da cannabis na fibromialgia.
Um recente estudo de alta qualidade, mas muito pequeno (estudo randomizado controlado por placebo), examinou o efeito analgésico (controle da dor) da cannabis de qualidade farmacêutica em 20 pacientes com fibromialgia. Os quatro grupos receberam cannabis com alto teor de THC e CBD mínimo, com THC e CBD equivalentes, com CBD alto e THC mínimo, ou placebo (sem THC ou CBD). Após o tratamento, os pacientes mediram os níveis espontâneos de dor (ou seja, a dor presente sem nenhum desencadeador óbvio) e foram submetidos a testes de dor (desta vez, provocada). Estatisticamente, os pacientes que receberam a combinação de CBD e THC apresentaram melhoras nos escores de dor nos testes por pressão induzida – com uma redução de 30% em comparação com o grupo do placebo. Nenhum dos tratamentos teve efeito sobre os níveis espontâneos de dor. A cannabis com CBD e sem THC não demonstrou efeitos nos níveis de dor.
Dois outros ensaios controlados randomizados analisaram o efeito do canabinoide sintético Nabilone na fibromialgia. Um estudo comparou o tratamento do Nabilone com o de placebo e, o segundo, o Nabilone com a Amitriptilina (um antidepressivo tricíclico usado para a fibromialgia). O primeiro estudo forneceu evidências de qualidade baixa de que o canabinoide teria melhorado o controle da dor e a qualidade de vida. Não foi observado nenhum efeito sobre a fadiga ou a depressão. O estudo que comparou o Nabilone com a Amitriptilina encontrou evidências de qualidade baixa de melhora do sono no tratamento com canabinoides. Em contraste com o estudo anterior, não houve efeito na dor ou na qualidade de vida.
Um estudo observacional maior com 367 pacientes, publicado recentemente, avaliou a cannabis medicinal que pode ter sido rica em THC ou CBD. Oitenta por cento dos pacientes relataram uma melhora em sintomas como o sono e depressão. Houve também melhorias significativas na dor e na qualidade de vida. Em termos de efeitos colaterais, os mais frequentes foram tonturas (8%), boca seca (7%), náusea e vômito (5%), e hiperatividade (5%). Um por cento dos pacientes relatou alucinações. Os resultados deste estudo parecem muito encorajadores. No entanto, é importante reconhecer que este é um teste de observação, significando que, em termos de metodologia, existem muitas questões em que os resultados podem ter sido afetados por outros fatores além do próprio tratamento.
Em relação aos efeitos colaterais do tratamento com canabinoides: os mais significativos provocam efeitos imediatos na função motora e cognitiva que duraram até 5 horas. Além disso, fumar cannabis pode representar um fator de risco para o desenvolvimento de doenças respiratórias. O uso de cannabis também tem sido associado com psicose, paranoia e ansiedade, especialmente relacionadas ao THC.
Até agora, a pesquisa atual demonstra evidências de qualidade baixa a média de que o tratamento com canabinoides, seja à base de plantas ou sintético, tenha um efeito benéfico em pessoas com fibromialgia. A evidência mais forte indica que esse efeito é causado pelo THC, em contraste com uma evidência limitada da eficácia do CBD. A pesquisa clínica sobre o tratamento com canabinoides é relativamente nova e a maioria dos estudos descritos é pequena. É provável que, com estudos maiores de qualidade alta, se tornem mais claros os efeitos do tratamento com canabinoides na fibromialgia.
Existem associações conhecidas entre fibromialgia, enxaquecas e síndrome do intestino irritável (SII). Foi sugerido que essas doenças/síndromes compartilham uma causa subjacente semelhante e que, portanto, todas elas podem ser tratadas com cannabis. A causa proposta é a deficiência de endocanabinoides. Há algumas pesquisas que descobriram níveis reduzidos de endocanabinoides em pacientes com enxaqueca e também em um estudo de modelos de camundongos com hipersensibilidade à dor. Há também dados crescentes mostrando que o SE pode exercer um papel no desenvolvimento da função gastrointestinal alterada. No entanto, atualmente não há estudos que examinem os níveis de endocanabinoides na fibromialgia ou na SII. Portanto, a deficiência de endocanabinoide ainda é uma teoria: há poucos dados e essa é uma área de pesquisa em andamento.
A fibromialgia é uma doença debilitante com tratamento limitado e, assim, a cannabis de uso medicinal pode ser uma nova opção de tratamento clínico. Apesar dos dados limitados, as pesquisas demonstram cada vez mais efeitos benéficos. A decisão de iniciar o tratamento deve ser tomada junto com o médico que o acompanha, depois de discutidos e considerados prós e contras.
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