Muito se ouviu falar, especialmente ao longo de 2019, sobre os avanços da utilização terapêutica da cannabis, mais conhecida no Brasil como maconha ou marijuana. O ano foi encerrado com um passo importante da Anvisa, que regulamentou o uso medicinal da planta após enorme pressão exercida principalmente de pesquisadores e pacientes.
Ainda que a situação seja considerada transitória, o novo marco regulatório criou regras importantes para comercialização, prescrição, dispensação, monitoramento e fiscalização dos produtos com cannabis, os quais foram enquadrados em uma classe sujeita à vigilância sanitária.
A expectativa é de que, a partir do segundo trimestre de 2020, o processo de aquisição do óleo de CBD, por exemplo, seja desburocratizado e os pacientes poderão comprar medicamentos com canabinoides em farmácia, mediante a simples apresentação de receita médica.
Notícias ótimas – mas precisamos, no entanto, ser comedidos na comemoração. Afinal, há um longo caminho pela frente até que consigamos criar um ecossistema canábico eficiente por aqui.
A Importância do Plantio e da Produção Locais
Plantio e produção no país são temas igualmente importantes para a criação desse ecossistema que garantirá acesso a todos os pacientes que necessitam comprovadamente de medicamentos com cannabis. Assim, a proibição anunciada recentemente pelo governo não parece ser uma atitude inteligente, assim como as alegações de falta de segurança ou de controle. Afinal, outros países criaram com sucesso suas regras para plantio e controle. Essa postura nos coloca, novamente, na permanente posição que o Brasil ocupa de consumidor de pesquisa e de desenvolvimento alheio. Sem contar com o preço final da medicação, que será onerado em função da obrigatória importação de flores e produtos finais.
Pacientes, associações, médicos, agrônomos, pesquisadores e cientistas têm expectativas altas. Com razão. Afinal, se já se obteve sucesso no uso da cannabis no tratamento de doenças como autismo, epilepsia, dores crônicas, doenças autoimunes e câncer, por que manter o acesso ao uso compassivo da Cannabis Sativa tão restrito por conta do preço da matéria-prima semielaborada?
Também não podemos descartar os interesses comerciais que existem por trás de atividades agrícolas e produtivas em torno da cannabis. Sabe-se que o Estado pode lucrar imensamente com a indústria da cannabis e que o Brasil pode se tornar um dos grandes exportadores mundiais. Afinal, contamos com dimensões continentais e biodiversidade invejável. Isso também reduziria o custo da medicação não só para a população como, também, para o governo brasileiro, já que ele é obrigado a pagar pelo tratamento dos doentes que comprovadamente possuem sintomas que somente a Cannabis Sativa pode aliviar.
Precisamos dessas mudanças já inclusive para, quem sabe, permitir que a Cannabis ajude a salvar a triste situação da Ciência e da Pesquisa no Brasil.
Relação Antiga com Cannabis Versus Fuga de Cérebros
Muito poucos sabem que nosso país tem uma relação antiga com a planta, uma vez que o cientista brasileiro, professor Elisaldo Carlini (médico e pesquisador emérito do CNPQ) foi um dos pioneiros no estudo de compostos hoje famosos, o CBD e o THC. Foi ele quem, na década de 1980, comprovou a eficácia da cannabis no tratamento da epilepsia com a pesquisa realizada em parceria com a maior referência do universo da cannabis, o cientista israelense Raphael Mechoulam.
No entanto, apesar do professor Carlini receber inúmeros prêmios e ter sido citado mais de 120 mil vezes por sua descoberta, ele nem de longe recebeu os mesmos incentivos e investimentos que seu par israelense para continuar sua divulgação e pesquisa. Como aconteceu, aliás, com todos os estudos da cannabis pelo mundo até muito recentemente.
Os últimos sete anos no Brasil foram marcados por uma forte imigração, com intensa fuga de cérebros e de profissionais qualificados em busca de melhores oportunidades de vida e trabalho. Vivemos com o sabor do atraso nas Ciências, nos avanços em Pesquisa e no desenvolvimento de novos produtos. E, mesmo frente à oportunidade e com os recursos disponíveis, sentimos o gosto do retrocesso.
Temos esperança de que a cannabis medicinal possa ajudar a reverter esse quadro. Afinal o Brasil é um país com uma incrível biodiversidade, reconhecido pela sua agricultura e pelos pesquisadores talentosos os quais, com pouco ou quase nenhum investimento, continuam se dedicando à pesquisa em Institutos e Universidades. O brasileiro não desiste nunca.
No contexto da cannabis, a dor da ciência vai além da falta de investimentos. Há uma falta crônica de empatia, constatada frente à repetição de jargões religiosos e políticos em ambientes que deveriam priorizar o respeito ao conhecimento. Países que aceitam riscos são considerados inovadores e, por isso, ganham mais exportando os resultados de seus laboratórios, institutos e universidades. Precisamos aplicar esse conceito no Brasil pois, de outra forma, o potencial inovador da Cannabis Sativa não se manifestará aqui e apenas confirmará nossa antiga, e deficiente, cultura.
Não sou bióloga, médica, farmacêutica, biomédica, nem especialista em cannabis medicinal. No entanto, estou intimamente ligada ao meio e diariamente escuto mães, pacientes e médicos relatando melhora na qualidade de vida de milhares de pacientes. Sem dúvida, a regulamentação foi um fator positivo no processo de valorização da cannabis medicinal por parte de Anvisa. Mas precisamos ir em frente e encontrar saídas para tudo o que impeça que pacientes brasileiros tenham o acesso devido aos medicamentos que salvam suas vidas.
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