A Anvisa regulamentou, no último mês de dezembro, a fabricação e prescrição de produtos terapêuticos à base de Cannabis. No entanto, ainda não está claro como as empresas encararão seu uso dentro do universo trabalhista.
A incerteza se aplica tanto para o uso de medicamentos canábicos dentro do ambiente profissional quanto para avaliações resultantes de eventuais testes toxicológicos. Vale dizer que este é um assunto polêmico em todo o mundo – no Brasil, não é diferente.
O Brasil Avança em Relação à Cannabis Medicinal, Mas Muito Lentamente
As mudanças legais em relação à cannabis foram iniciadas em 2006, quando uma decisão do Congresso Brasileiro reafirmou sua proibição, mas aboliu penalidades legais para seus usuários. A partir de então, portadores de pequenas quantidades são levados à delegacia para “averiguações”.
Em relação à cannabis medicinal, a primeira liberação ocorreu em 2014, quando o Conselho Federal autorizou sua prescrição para casos clínicos raros – em especial crianças com epilepsia severa –, sempre sob supervisão da Anvisa.
“Com tamanha restrição, é natural que o assunto nunca tinha entrado na pauta de empresas ou sindicatos, já que praticamente não havia prescrição da droga no país”, comentou a consultora Lizete Araújo ao site Cannigma.
Em seus mais de 30 anos de atuação em recrutamento e recolocação profissional para grandes companhias como Fiat, Vale e Usiminas, Lizete nunca se deparou com qualquer organização que contasse com orientações formais a respeito do uso de cannabis. Fazia sentido, uma vez que a planta estava enquadrada como droga ilícita, cujo uso levava à demissão ou ao afastamento compulsório do funcionário para tratamento médico.
Segundo o advogado Milton Gurgel, com mais de 40 anos de atuação em causas trabalhistas, a conduta típica no Brasil é considerar a demissão por justa causa para empregados flagrados com cannabis no trabalho. Ele acredita que o volume de casos desse tipo só não é maior no país porque a legislação é restritiva quanto à exigência de testes toxicológicos nos empregados por parte do empregador. Eles só podem ser solicitados para atividades que envolvem risco de morte a exemplo de motoristas, pilotos e operadores de maquinário perigoso.
A boa notícia, diz ele, é que isto deve mudar rapidamente com a novidade das prescrições recentemente liberadas e que valem desde março de 2020. É bem provável que, daqui para frente, a justiça brasileira seja menos implacável no endosso de punições trabalhistas relacionadas ao consumo da maconha. Segundo o advogado Milton Gurgel declarou ao site Cannigma, a expectativa é de que a Justiça do Trabalho brasileira reveja seus procedimentos. Também se espera a intensificação desse debate nos sindicatos e empresas.
Como o Tema Cannabis x Ambiente Profissional é Conduzido no Mundo?
De 10 anos para cá, as primeiras legislações normalizando a cannabis para uso medicinal foram estabelecidas em diferentes países da Europa e também em dezenas de Estados norte-americanos. Se consolidaram igualmente países de perfis tão díspares como Canadá, Israel, Sri Lanka e Zimbabwe.
Na América Latina, até janeiro de 2020, já havia regulamentações aprovadas na Argentina, Colômbia, Peru, Uruguai e, mais recentemente, Brasil. No México, onde a liberação medicinal está pronta para ir a voto no parlamento, o governo já discute a liberação do plantio, exportação e uso recreativo.
Nos Estados Unidos, por exemplo, mesmo nos Estados onde até o consumo recreativo já é liberado por lei, não há uma normativa clara quanto à utilização no ambiente de trabalho. Há casos de empresas norte-americanas que aceitam o uso da medicação em seus espaços profissionais ou a presença de cannabis em testes sanguíneos dos funcionários, desde que estes tenham sido formalmente aceitos no programa medicinal do governo. Mas há uma grande parcela que pende para a aplicação da legislação federal, muito menos tolerante à cannabis.
No caso do Canadá, o consumo da cannabis no trabalho é melhor tolerado que em outras partes do mundo quando ancorado em prescrição. Tal como acontece com o tabaco, é proibido fumar internamente, mas há menos restrições sobre o uso externo pelo trabalhador, desde que este não compareça ao trabalho sob efeito psicoativo notório a ponto de comprometer sua conduta ou produtividade.
A legislação canadense também é favorável à ingestão de comprimidos, gomas de mascar ou óleos contendo extratos não psicoativos da planta no ambiente profissional, sempre sob prescrição. O mesmo não se aplica a biscoitos, balas e guloseimas alucinógenas (não medicinais), as quais são encaradas de forma semelhante ao consumo de álcool.
Seja como for, em uma pesquisa recente, 8% dos trabalhadores canadenses relataram não ser repreendidos pelos seus patrões por fazer uso recreativo de maconha.
Conclusão
Por ora, o universo do trabalho no Brasil e no mundo permanece refratário ou, no máximo, em compasso de espera no tocante à sua visão a respeito do consumo de cannabis medicinal em ambientes profissionais. Apenas em pequenas empresas em alguns segmentos (os ditos setores “criativos”, como publicidade, design e artes) se nota uma atitude mais tolerante frente à planta.
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