Por que os extratos completos de cannabis parecem ser mais eficazes para a saúde do que o THC e o CBD isoladamente?
Estamos acostumados a tomar pílulas brancas sintéticas contendo moléculas únicas para nossos mal-estares e, portanto, pode ser difícil acreditar na ideia de que um extrato botânico contendo centenas de compostos funcione melhor do que elas. No entanto, o efeito comitiva, nome dado pelos cientistas à relação sinérgica entre todas ou muitas das moléculas da cannabis, ajuda a explicar por que a cannabis, em toda a sua glória botânica, atua de forma tão eficiente no corpo humano (e também animal).
Cannabis: uma planta complexa
Formulações feitas com a planta de cannabis têm sido usadas por médicos e também na medicina popular há milhares de anos. Antigamente, ninguém questionava a composição molecular da planta. No entanto, a descoberta dos canabinoides primários – tetra-hidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD) – contribuiu para uma maior compreensão da planta de cannabis.
Atualmente, acredita-se haver mais de 140 tipos canabinoides (e as pesquisas continuam em busca de outros). Entre os componentes canábicos mais conhecidos no momento estão:
– Precursores ácidos de THC e CBD, o THCA e CBDA
– Ácido canabigerólico (CBGA), molécula-mãe a partir da qual outros canabinoides são sintetizados
– Canabinol (CBN), um canabinoide levemente psicoativo encontrado na cannabis envelhecida
– Tetra-hidrocanabivarina (THCV), um homólogo do THC, o qual supostamente inibe o apetite
– Cannabidivarina (CBDV), que apresenta um efeito anticonvulsivante.
Há cerca de 130 outros canabinoides presentes na planta, e são necessários mais estudos para que se chegue à conclusão sobre como cada um deles afeta o corpo, isoladamente ou em conjunto.
A seguir na lista de moléculas encontradas na cannabis, vêm os cerca de 150 terpenos responsáveis pelos toques aromáticos característicos da planta. Importante citar que os terpenos não são encontrados apenas na cannabis: em qualquer planta aromática, ou mesmo frutas e legumes, podem ser encontrados muitos dos terpenos presentes na cannabis. O limoneno, por exemplo, é abundante em frutas cítricas, enquanto o pineno, em pinheiros, o linalol, na lavanda, e o beta-cariofileno, na pimenta-preta.
Na natureza, os terpenos agem para repelir insetos; já nos seres humanos, seus efeitos são frequentemente medicinais. Em concentrações de 0,05%, são considerados “de interesse farmacológico“, interagindo com membranas celulares, canais de íons neurais e musculares, receptores de neurotransmissores, receptores acoplados à proteína G e enzimas.
Estudos demonstraram que o limoneno, por exemplo, tem efeitos antiansiolíticos, enquanto o pineno é antibiótico, o linalol é anestésico e anticonvulsivante, e o beta-cariofileno é um poderoso agente anti-inflamatório. Depois, há o mirceno, com seu efeito relaxante, considerado o principal fator que contribui para diferenciar as espécies Sativa e Indica da cannabis.
E não podemos esquecer dos flavonoides, os metabólitos polifenólicos secundários que aportam o pigmento amarelo às plantas. Estes apresentam efeitos antioxidantes e antibióticos e, em alguns casos, são até mesmo antitumorais.
Efeito comitiva x modelo farmacêutico
Quando se considera que uma única planta contém centenas de moléculas potencialmente terapêuticas, é fácil perceber por que os cientistas estão tão empolgados em isolá-las e usá-las como base para toda uma série de medicamentos. Na verdade, essa é a maneira mais lógica para que os pesquisadores realmente entendam a cannabis – eles buscam reconhecer quais componentes da planta são responsáveis pela grande variedade de efeitos terapêuticos e como se dá sua ação no organismo.
Hoje, alguns medicamentos já estão disponíveis, principalmente aqueles à base de canabinoides purificados (Epidiolex), combinações de moléculas (Sativex) ou sintéticos (Marinol).
Curiosamente, muitos pacientes dizem perceber melhores resultados com produtos de cannabis que contêm uma gama completa de ingredientes moleculares. Uma metanálise comparando o CBD isolado ao de plantas inteiras como tratamento para epilepsia descobriu que o CBD destas não era apenas duas vezes mais eficaz que seu equivalente isolado, mas também que doses mais baixas eram suficientes para alcançar o efeito terapêutico buscado. Tudo indica que isso deve ser atribuído, em grande parte, ao tão citado efeito comitiva.
O efeito cntourage começa no sistema endocanabinoide (SE)
As pesquisas têm indicado que o efeito comitiva origina-se no sistema endocanabinoide do corpo humano (SE) – ou seja, nosso mecanismo interno processa, decompõe e cria canabinoides. Embora afirme-se que estes sejam os principais atores do SE, o cientista israelense Shimon Ben-Shabat observou que alguns metabólitos intimamente relacionados aumentam a atividade dos endocanabinoides primários; essa percepção gerou o termo “efeito comitiva”.
No entanto, foi o dr. Ethan Russo, neurologista e pesquisador de psicofarmacologia, que estendeu o uso desse termo para a cannabis. Em seu artigo, traduzido livremente como “Domando o THC: sinergia potencial de cannabis e efeitos comitiva de fitocanabinoides e terpenoides”, ele propôs uma “sinergia herbal” entre os compostos menos estudados, mas potencialmente ativos em termos biológicos na planta da cannabis, os quais são semelhantes aos encontrados no sistema endocanabinoide.
Basicamente, o efeito comitiva poderia ser comparado com os atores em uma produção teatral. O THC e CBD são os protagonistas, enquanto os demais canabinoides, terpenos e outros formam o elenco de apoio. É claro que os protagonistas são impressionantes, mas, sem o resto do elenco, figurinistas, maquiadores e outros profissionais, não haveria espetáculo.
Essa teoria vai além do consenso científico anterior de que a combinação de THC e CBD produz efeitos terapêuticos superiores, ao mesmo tempo criando uma maior “janela terapêutica” para o THC, o qual frequentemente é mal-tolerado pelos pacientes.
Evidências
Embora o conceito de efeito comitiva possa explicar o que é experimentado na prática por pacientes que usam a maconha medicinal, os pesquisadores demoraram a estudar o assunto e somente agora começa-se a encontrar evidências concretas para explicar o fenômeno.
No ano passado, a cientista espanhola Cristina Sanchez, juntamente com sua equipe, fez algumas descobertas interessantes ao comparar THC isolado e um extrato botânico de cannabis de espectro completo (contendo a mesma quantidade de THC) em linhas de células de câncer de mama.
A equipe descobriu que o extrato da planta inteira de cannabis exibia ação antitumoral superior quando comparado ao THC isolado em três tipos de câncer de mama estudados. Para descobrir se os terpenos eram os responsáveis por esse efeito, eles adicionaram um “coquetel” ao THC isolado, idêntico aos terpenos encontrados no extrato de espectro total.
Curiosamente, isso não alterou a atividade antitumoral. Em vez disso, os resultados sugerem que diferentes alterações podem ocorrer em função do uso de baixas concentrações de CBG e THCA.
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