A pesquisa sobre o modo como a cannabis afeta o fígado humano ainda é bastante limitada. No entanto, a partir dos estudos já realizados, sabemos que a relação entre os dois pode ser um pouco complicada e variável, dependendo da enfermidade hepática em questão.
Para a maioria das pessoas saudáveis, o uso de cannabis não deve causar complicações no fígado e pode até desempenhar um papel protetor contra o desenvolvimento de doença hepática alcoólica e doença hepática gordurosa não alcoólica.
No entanto, pacientes com problemas hepáticos graves ou que tomam outros medicamentos precisam ter cuidado para que, ao consumir cannabis, estejam de fato ajudando, e não afetando, o funcionamento de seu fígado.
A medicina ainda tem muitas perguntas sobre como a cannabis afeta o fígado. Confira, a seguir, o que a ciência pode nos dizer no momento.
A interação da cannabis com o fígado
Para entender os efeitos da cannabis no fígado, precisamos começar com uma explicação sobre como o órgão é afetado pelo sistema endocanabinoide (SE).
Ele modula muitas das funções cruciais do corpo humano, como sono, energia, memória, fome, inflamação e humor, para citar apenas algumas. O SE também ajuda a mantê-las em homeostase, ou seja, em equilíbrio interno.
O sistema endocanabinoide pode ser ativado por canabinoides comuns encontrados na planta de cannabis, como o THC e o CBD. No entanto, nosso corpo também produz naturalmente seus próprios canabinoides (os endocanabinoides) – e eles também ativam o SE.
Estudos mostram que a ativação de alguns de nossos receptores endocanabinoides pode piorar a cirrose, aumentando fatores como fibrogênese, fibrose, ascite e esteatose. No entanto, a ativação de outros receptores parece ter o efeito contrário, combatendo a fibrose, a esteatose, a deposição de colágeno e a inflamação, e assim promovendo um fígado saudável.
Também foi demonstrado que os endocanabinoides atuam contra a cirrose hepática. Alguns podem até agir contra a fibrogênese, melhorando a saúde do fígado. Sendo assim, os pesquisadores procuram explorar ainda mais os endocanabinoides pelo seu potencial no tratamento de doenças hepáticas.
Os benefícios da cannabis para a saúde do fígado
Pesquisas sobre o sistema endocanabinoide demonstram que a ativação de seus receptores por meio de endocanabinoides pode ter um grande impacto no fígado, por vezes ajudando, em outras prejudicando, seu funcionamento. Então, como a cannabis, uma planta que ativa esses mesmos receptores, afeta o fígado?
Antes de mais nada, é importante observar que a pesquisa sobre a maconha medicinal e sua relação com o fígado ainda está em seus estágios iniciais, e os efeitos da planta nesse órgão foram estudados principalmente em populações com doenças hepáticas de diferentes tipos – ou seja, com fígados não saudáveis. Dito isto, um pequeno estudo analisou a influência do uso crônico de cannabis sobre a função hepática em geral.
O uso crônico em fígados saudáveis
Durante este estudo, os pesquisadores não encontraram diferenças significativas na função hepática nos pacientes com níveis mais altos de marcadores de THC no sangue. Por outro lado, encontraram uma função hepática ligeiramente melhor naqueles com níveis mais altos de THC-OH. Esta pesquisa foi limitada devido ao baixo número da amostra. Ainda assim, ela sugere que o uso crônico de cannabis de uso medicinal não afeta negativamente a saúde do fígado de indivíduos saudáveis.
Outra pesquisa analisou a cannabis e a saúde do fígado em relação a doenças ou sintomas específicos. Por exemplo, um problema de saúde para o qual foram investigados os efeitos da cannabis é a doença hepática alcoólica (DHA). A DHA é causada pelo uso pesado e prolongado de álcool, e a cannabis pode ter um papel protetor com relação a esta doença.
Um estudo muito amplo descobriu que aqueles com os níveis mais altos de uso de cannabis medicinal tinham níveis significativamente menores de DHA em todos os estágios da doença. Esses usuários pesados de cannabis tiveram uma redução de 45% na esteatose ou doença hepática gordurosa alcoólica, uma redução de 40% na esteato-hepatite ou hepatite alcoólica, uma redução de 55% na cirrose e fibrose alcoólicas, e uma impressionante redução de 75% no carcinoma hepatocelular, ou câncer de fígado.
Associação a níveis baixos de doença hepática gordurosa não alcoólica
Outro estudo, que vinculou níveis baixos de DHA ao uso de CBD, parece sugerir que o uso de cannabis (ou mesmo somente de CBD) pode realmente servir de proteção contra os efeitos fatais a longo prazo do uso de álcool.
Mas não é apenas na doença hepática induzida pelo álcool que a cannabis pode ajudar: ela também pode proteger contra a doença hepática gordurosa não alcoólica. Um estudo descobriu que o uso da cannabis estava associado aos baixos níveis dessa doença, além da DHA. Portanto, a maconha de uso medicinal pode proteger nossos fígados de uma forma geral e não apenas contra o consumo de álcool.
A cannabis também pode desempenhar um papel protetor em outras doenças específicas.
Um estudo descobriu que a cannabis pode proteger o fígado de pacientes que sofrem de psicose – diminuindo o risco de esteatose.
Modelos animais também mostram evidências de que o uso de cannabis pode melhorar os sintomas da encefalopatia hepática, provavelmente por meio das propriedades anti-inflamatórias da planta. Infelizmente, não houve estudos em humanos sobre essa doença que confirmem os resultados.
Fatores de risco para a cannabis e o fígado
Para outros problemas de saúde relacionados ao fígado, no entanto, o uso de cannabis pode ter interações mais complicadas. O vírus da hepatite C crônica, por exemplo, pode ser agravado pelo uso da planta. Estudos em animais mostram que a cannabis pode, na realidade, piorar a fibrose hepática e a esteatose na hepatite C. Estudos com humanos mostrou que a cannabis pode levar à supressão da imunidade antiviral em pacientes com esse tipo de hepatite. Além disso, estudos em pacientes com hepatite C descobriram que o risco de esteatose era esperado devido ao consumo diário de cannabis.
Por outro lado, estudos diferentes relataram efeitos positivos com o uso de cannabis em pacientes com hepatite C. Um estudo de 2018 descobriu que pacientes com essa doença e usuários da planta tinham níveis mais baixos de cirrose. Além disso, representavam menores custos totais de saúde do que os não usuários. Outro estudo constatou que pacientes com hepatite C usuários de cannabis tinham mais probabilidades de aderir a seus tratamentos antivirais e, assim, ter melhores resultados virológicos. Portanto, para pacientes com essa doença, a forma como a cannabis afeta o fígado pode tanto ser útil quanto prejudicial.
Pesquisa duvidosa
Além dos estudos sobre hepatite C, outras preocupações com a cannabis e sua relação com o fígado vêm de um estudo sobre CBD e camundongos. Nele, uma alta dosagem de CBD causou a morte de alguns dos animais. Os pesquisadores observaram enzimas hepáticas elevadas e aumento no tamanho do fígado nos camundongos que morreram. Isso levou à conclusão de que a morte foi causada por problemas no fígado. Outros pesquisadores, no entanto, apontaram para algumas questões de metodologia problemáticas no estudo.
Por um lado, a dose de CBD administrada era extremamente alta – 100 vezes maior que a dose máxima recomendada para Epidiolex, o único medicamento baseado em CBD aprovado pela FDA para humanos. Mais importante, porém: o CBD foi extraído usando hexano – um solvente com propriedades neurotóxicas conhecidas. Não está claro se o hexano teria sido um fator na morte dos ratos.
Além disso, o tamanho da amostra era de apenas seis ratos, muito pequena para ter alguma significância estatística. Os pesquisadores do estudo relataram que 75% dos ratos morreram – o que significaria 4,5 ratos mortos. Como isso é impossível, podemos nos perguntar que outros erros teriam sido cometidos neste estudo. São necessárias mais pesquisas para confirmar ou desacreditar esses resultados.
Interações medicamentosas devem ser examinadas com cuidado
Outra área importante de gerenciamento de risco relacionada à cannabis e ao fígado são as interações medicamentosas. A cannabis pode interagir com as enzimas metabolizadoras de uma droga no fígado. Portanto, se tomada com certos medicamentos, pode fazer com que se tornem mais ou menos potentes e eficazes. Além disso, certos medicamentos podem tornar a cannabis mais ou menos potente.
Embora tenha havido pouco estudo sobre essas interações medicamentosas, podemos deduzir, pelo que sabemos de farmacologia, que certos medicamentos têm maior probabilidade de criar essas interações. Por exemplo, fluoxetina, fluvoxamina, fluconazol, claritromicina, verapamil, itraconazol, voriconazol e cetoconazol têm maior probabilidade de aumentar a concentração de THC e CBD no sangue, inibindo sua eliminação do organismo. No outro sentido, o medicamento rifampicina reduz os níveis de THC no sangue em 20-40% e os de CBD, em 50-60%.
Estudos mostram benefícios, mas também riscos
Concluindo, o uso de cannabis está crescendo em popularidade, e isso não deve surpreender, considerando a ampla gama de seus benefícios à saúde. E, embora a pesquisa ainda seja limitada, existem já alguns estudos interessantes mostrando os riscos e benefícios do uso de cannabis para o fígado.
Para indivíduos saudáveis, a planta não deve causar um impacto significativo na função hepática – pode até servir como protetor contra o desenvolvimento de doença hepática alcoólica e doença hepática gordurosa não alcoólica. Ainda assim, para pacientes com hepatite C ou que usam certos medicamentos, o uso de cannabis pode causar complicações.
Se você tem uma doença hepática, é aconselhável recorrer a um médico especialista em canabinoides para garantir que você esteja tomando as melhores medidas para a saúde do seu fígado.
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