Um novo e surpreendente estudo sugere que o uso da cannabis pode alterar a habilidade de dirigir veículos, mesmo depois que seus efeitos psicotrópicos já desapareceram há muito tempo. À primeira vista, parece uma notícia ruim para os usuários de cannabis. No entanto, ao verificar o tema mais profundamente, veremos que, na realidade, a maconha não faz de seus usuários piores motoristas.
O estudo, publicado no Drug and Alcohol Dependence, comparou um pequeno grupo de usuários recreativos contumazes de cannabis com outro grupo que nunca a usou. Os participantes foram avaliados em um simulador de direção após se terem se abstido da maconha por pelo menos 12 horas.
Os resultados iniciais mostraram diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos. Os usuários contumazes tiveram um desempenho pior do que os não usuários, de acordo com determinadas métricas. Os usuários de cannabis, que não estavam sob seu efeito no momento da avaliação, mostraram-se mais propensos a acidentes, ao excesso de velocidade, à troca constante de faixa e à desobediência das regras de trânsito, em comparação ao grupo que não usa cannabis com regularidade.
O resultado confirmou as diferenças observadas em estudos anteriores sobre a influência pontual da cannabis na direção. Com uma diferença: o uso ativo de cannabis está associado a direção mais lenta, enquanto o aumento de velocidade pode ser atribuído a seu efeito residual.
Meta-análises recentes de tais estudos anteriores indicaram que dirigir sob influência de cannabis aumenta em 20-30% o risco de colisões de veículos. “Além disso, alguns estudos – mas não todos – sobre direção pós-intoxicação aguda por cannabis mostram um aumento no número de colisões”.
Somente Usuários de Cannabis que Iniciaram Antes dos 16 anos Foram Afetados
Embora o estudo tenha mostrado uma relação estatística entre o uso recreativo de cannabis e problemas de direção – mesmo quando os participantes não estavam sob seus efeitos psicotrópicos –, os pesquisadores descobriram que a leitura desse resultado não é tão simples assim. Segmentados em diferentes grupos de usuários, os resultados negativos se aplicavam somente àqueles que começaram a consumir maconha antes dos 16 anos. Usuários de cannabis mais tardios não apresentaram problemas de direção quando comparados a não usuários. Assim, os pesquisadores concluíram que o início precoce do uso de cannabis prejudica a capacidade de direção a qual, por vezes vezes, se torna impulsiva.
Ao retirar o aspecto da impulsividade, a maioria das diferenças entre os grupos de controle e os grupos de usuários de cannabis desapareceu. Ou seja, a impulsividade é o principal fator diferencial entre os usuários de cannabis de início precoce que dirigiram mal e o grupo de não usuários e de usuários de início tardio, os quais apresentaram desempenho normal.
“O estudo demonstra comprometimento residual em usuários de cannabis não intoxicados, especificamente no caso daqueles de início precoce”, concluíram os pesquisadores.
Os Problemas de Direção São Causados pela Cannabis ou pela Impulsividade?
De acordo com o estudo, usuários de maconha apresentaram comprometimento residual na forma com que dirigem. Mas isso seria realmente causado pela planta?
Segundo os próprios autores, eles não têm como prover essa resposta. O estudo é realizado de tal maneira que é impossível determinar se a impulsividade (e consequente piora do padrão de direção) é causada pelo uso precoce de cannabis ou se o uso precoce de cannabis e os problemas de direção são causados por uma impulsividade preexistente.
Os autores defendem sua tese apontando para estudos anteriores, que mostram que os usuários de cannabis têm, em média, níveis mais altos de impulsividade. Mas essa constatação ainda não responde à pergunta central: a impulsividade aumenta o uso de cannabis ou é o uso de cannabis que aumenta a impulsividade?
Os autores também se baseiam em estudos anteriores, que indicam uma relação entre o início precoce do uso de cannabis e problemas de função cognitiva. Estudos mais recentes, no entanto, contestam essa ideia veementemente.
Estudos Conflitantes Sobre Usuários Precoces de Cannabis
A ideia de que o uso precoce de cannabis afeta a função cognitiva e provoca uma posterior queda no QI pode ser atribuída a um estudo longitudinal de 2012. Embora a queda tenha sido bastante modesta, o resultado levou os pesquisadores a afirmar que a cannabis tem efeitos neurotóxicos no cérebro dos jovens. Além disso, concluíram que evitar seu uso antes dos 16 anos de idade pode impedir um declínio cognitivo desnecessário.
Essa ideia se espalhou como um incêndio em dia de ventania. Mas será que é correta?
Estudos com irmãos gêmeos foram realizados mais tarde para verificar se essas quedas de QI realmente se deviam à cannabis ou se havia algum outro fator que as causavam e que aumentavam a probabilidade de um usuário vir a utilizar cannabis. Diversos estudos, conduzidos em 2004, 2016, 2017 e 2019, avaliaram gêmeos em que um deles era usuário de maconha e o outro não.
Todos os estudos revelaram o mesmo resultado.
Embora o uso precoce de cannabis tenha sido associado a quedas de QI nesses estudos, os pesquisadores concluíram que a maconha não era responsável pelas quedas. A conclusão baseou-se no fato de que dois irmãos gêmeos tiveram queda de QI, usando ou não cannabis. Abster-se de cannabis não poupou o não usuário da queda observada no caso do usuário.
Os pesquisadores concluíram que a predisposição de adolescentes ao consumo da maconha e ao declínio cognitivo na vida adulta se deve a outros fatores, provavelmente genéticos ou ambientais.
De Quem é a Culpa: da Impulsividade ou da Cannabis?
Nesse estudo sobre direção, percebemos questões metodológicas semelhantes às do estudo de QI de 2012. É impossível dizer qual é realmente a causa das deficiências de direção. Mas, como a impulsividade está ligada, de forma isolada, a um pior desempenho na direção e a maior probabilidade de usar drogas desde jovem, é possível que a culpa seja da impulsividade preexistente, e não da cannabis.
No futuro, estudos com gêmeos haverão de ser realizados para encontrar essas respostas. Por ora, os resultados são inconclusivos. São necessárias muitas outras pesquisas para determinar se o início precoce do uso de cannabis realmente afeta a direção de usuários recreativos ou se as diferenças observadas devem ser atribuídas à impulsividade.
O que sabemos com certeza é que não é uma boa ideia (e até mesmo proibido, de acordo com a lei) dirigir sob a influência da maconha.
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